Quase a cumprir 2 semanas de
realização de um sonho, é hora de fazer o balanço da situação.
Começo pelo “choque térmico” de
passar de cerca de 10ºC para os ofegantes 30ºC por terras são tomenses. Ao sair
do avião, apesar de serem 5:45h o ar quente fazia-se sentir bem presente, o que
provocou uma sensação estranha… como se da entrada num filme se tratasse.
Após a falta de tempo de deixar em
terra as mangas compridas, a espera para entrar no aeroporto tornava-se
insuportavelmente quente, numa fila que teimava em não andar. Depois de passar
os serviços alfandegários, mais um compasso de espera pela mochila que teimava
em não chegar num tapete tão minúsculo que mal tinha espaço para tudo o que o
avião havia transportado… já começava a perceber o sentido da expressão “leve,
leve…”.
À porta do aeroporto, no meio da
confusão de pessoas centradas em casas de turismo, táxis, motoqueiros e Hiaces,
não conseguia ver ninguém, até que oiço alguém “Ana, Ana!”, e lá estava a
Ângela, nunca a tinha visto, mas a sua coloração de pele e a t-shirt vermelha
da AMI vestida depressa a identificaram como a pessoa que me esperava. Com ela
estava também o Ovídeo, um dos nossos motoristas, que me pareceu uma pessoa bem
descontraída.
O primeiro dia foi preenchido com
uma pequena visita pela cidade, entre a Embaixada, os Correios, algumas compras
e afazeres de quem apenas se desloca uma vez por semana “à civilização” :p
A espera pelas horas de abertura
dos locais públicos foi feita num café a tomar o pequeno almoço. Foi a altura
em que pude observar ao vivo o rotina da vida dos são tomenses. As crianças
deslocavam-se de uniforme rumo às escolas, as mães carregavam às costas os seus
pequenos filhotes (com apenas meses de vida, sem bem segurarem a cabeça), as
motas eram mais que muitas, os tugas conheciam-se quase todos, e o “leve,
leve…” reinava também no serviço à mesa, que percebi ser uma verdadeira e
hilariante aventura. :p
No caminho para Angolares, as
descobertas continuavam… paisagens repletas de vegetação tipicamente tropical,
com montes de palmeiras, bananeiras, canaviais; as casas na sua grande maioria
em madeira; as mulheres a lavar roupas no rio, que estendiam pelas margens e
pelas estradas; as pessoas que apareciam em qualquer parte, mesmo onde não
esperava ver viva alma; a confusão ao atravessar cada comunidade em que
adultos, crianças, porcos, galinhas, cães, motas… tudo à mistura se afastavam
do meio da estrada com a buzinadela do condutor; as Hiaces (“autocarros” de 9
lugares cá do sítio) em amarelo berrante que se distinguiam de todos os outros
meios de transporte pela música aos altos berros e à pinha com gente, carga,
animais… tudo o que cabia e não cabia lá dentro (isto para não falar das luzes
psicadélicas que à noite piscam dentro e fora de cada uma xD)… resumindo, uma
realidade completamente diferente, que a cada segundo me deixava mais e mais
curiosa, com vontade de conhecer e perceber o modo de tudo e todos
“funcionarem” nesta terra.
Na casa da AMI, situada em S. João dos Angolares (mesmo ao lado da fantástica Roça de S. João... do Sr. João de "Na Roça com os Tachos") vivemos 5 mulheres:
a Coordenadora de Missão, 1 Enfermeira, 1 Nutricionista, 1 Estagiária de
Nutrição e eu como Estagiária de Enfermagem. Contudo, o pessoal cá de casa
inclui 1 empregada, 2 motoristas, 2 guardas-nocturnos e 1 jardineiro. Uma bela
equipa em cada um tem características que os torna únicos, mas sempre muito
responsáveis pelas suas tarefas.
A casa tem algumas
particularidades que tornam, esta numa aventura que sempre deixará marca.
Começando pelo facto de a luz apenas existir das 8h às 12h e das 17h às 23h e a
água canalizada em horário que ainda não percebi bem, tornam tudo mais intenso.
O banho de canequinha é algo que pensei ser difícil de concretizar, mas as
altas temperaturas que a toda a hora provocam suor, estimulam mesmo ao banho de
água fria, essencial para relaxar do cansaço diário. Mas as condições “menores”
nem tudo têm de mau, dou-me por muito feliz pelo facto de ter internet
wireless, que em muito facilita o contacto com os que mais longe ficaram.
Quanto ao trabalho… a acção da
enfermagem por cá está numa vertente muito de formação e supervisão dos
enfermeiros e agentes sanitários que cá exercem, não directamente na prestação
de cuidados. Relativamente à nutrição, estão a ser focados projectos de
construção de hortas escolares, melhoria das condições de higiene e
funcionamento das cantinas escolares, bem como no levantamento de indicadores
nutricionais das crianças até aos 5 anos. O que nem sempre se revela um
trabalho proveitoso, uma vez que estamos num país em desenvolvimento, com
algumas barreiras por nós ultrapassadas há muitos anos e, das quais nem damos
conta.
Em pequenas conversas com
residentes locais e, apenas com a observação das ruas, percebemos que a
pirâmide geracional são tomense é precisamente o oposto da nossa, a quantidade
de crianças que deambulam, brincam e estão presentes nas ruas e escolas é
enorme. Por cá, muitos filhos é sinónimo de felicidade, não havendo lugar para
preocupações como a falta de dinheiro para lhes dar que comer, vestir ou os
colocar na escola, tudo se resume a aproveitar e reaproveitar ao máximo todos
os recursos de que dispomos, ainda que muitos deles não sejam usados e geridos
da melhor forma porque, nunca ninguém lhes explicou que o podem fazer. A
realidade da poligamia está muito presente, tornando este um mundo repleto de
crianças em que, aos nossos olhos muito falta, mas à conversa com eles, tudo se
tem. Como já ouvi dizer “vocês têm o relógio, mas somos nós quem tem o tempo”.
À parte de todos estes factos e
acontecimentos em que me envolvo em descoberta, existe o maravilhoso grupo de
tugas, que apesar de vários grupos, acabam sempre por se encontrar e conhecer,
retratando neste país, à imagem de muitos outros, a chama da saudade daqueles
que ficaram longe e, contribuindo para a “formação da nossa família” por cá. É
com eles que passamos bons momentos de lazer, (colocando um pouco de lado) o
árduo mas ambicioso trabalho que desenvolvemos todos os dias.
É a vida por cá, e muito mais há
para dizer. Contudo, nada supera aquilo que sentimos quando o pouco que fazemos
muito significa quer para nós, quer para aqueles a quem damos uma mão.
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